sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Alerta aos motoristas: lesões músculo-esqueléticas advindas de períodos prolongados ao volante reduzem nível de atenção e podem provocar acidentes

Não bastassem os inúmeros fatores que atualmente disputam a atenção do motorista em sua atribulada e demasiadamente prolongada jornada diária no assento de um veículo, um outro vilão moderno, nascido da morosidade e ineficácia de nossos tráfegos urbano e rodoviário, sobrevém como uma grande ameaça aos condutores, sobretudo em grandes centros industrializados como os da grande São Paulo. Tratam-se das lesões músculo-esqueléticas geradas por má postura, movimentos repetitivos, excesso de exigência do estado de atenção (estresse mental), fadiga muscular (estresse físico), despreparo (encurtamentos) e descondicionamento cárdio-respiratório.
Muito embora tais lesões sejam velhas conhecidas de quem trabalha em grandes ambientes corporativos, assumindo rotinas massacrantes de trabalho em posições semi-estáticas, foi apenas recentemente que chamaram a atenção por sua alta incidência em condutores de veículos automotores.

Vejamos por que:

· Permanência maior ao volante: o congestionamento e a falência dos sistemas sobressalentes para a mobilidade urbana como o transporte público e a deficitária quantidade de ciclovias, fazem com que curtos trajetos sejam percorridos em muito tempo, predispondo o condutor ao estresse mental e à tensão muscular;

· Ativação constante do Sistema Nervoso Autônomo Simpático: é a descarga ininterrupta do hormônio adrenalina, liberado pelas glândulas localizadas acima dos rins (supra-renais) em situações de alerta, preparo para luta ou fuga. Esse fator contribui para os casos freqüentes de explosões de ira no trânsito, com desfechos cada vez mais desastrosos. Dentre os sintomas típicos estão a transpiração nas mãos, a aceleração dos batimentos cardíacos, irritabilidade e a respiração superficial e rápida;

· Execução repetitiva de movimentos corporais em amplitude reduzida: a limitação de espaço, imposta ao motorista pelo confinamento em sua poltrona, obriga-o a realizar sempre os mesmos padrões de movimentos curtos e rápidos, recrutando sempre os mesmos grupos musculares. Sabe-se que, quanto menor for a amplitude de movimento executada por um segmento como, por exemplo, o braço ou a perna, maior será a força necessária para gerar o torque adequado à precisão da manobra. Em escala microscópica, quem fazem esses mínimos ajustes que dão fineza a uma virada de volante ou controle ao grau de força imprimida pelo pé esquerdo no freio, são as unidades motoras (conjunto inervação + fibras musculares). Em geral, as mãos têm mais inervação para comandar poucas fibras de músculo e, nas pernas, poucos neurônios motores são responsáveis por grandes quantidades de fibras musculares. Por isso os movimentos são mais precisos nas mãos e mais grosseiros nos pés. É em virtude desse fato também que os carros não são construídos para dirigimos com os pés e nem tampouco frearmos com as mãos. O que parece óbvio tem implicações seriíssimas na prática: lesões por movimentos repetitivos costumam ocorrer nos ombros e musculatura cervical do condutor, sendo comuns a bursite, a tendinite, a contratura dos músculos trapézios (nodulações tensas entre o pescoço e o ombro), bem como a compressão radicular por prolapso dos discos intervertebrais da região do pescoço (sintomas de formigamentos, dor irradiada e redução de sensibilidade em braços e mãos), exatamente pela alta complexidade de movimentos curtos, precisos e refinados nessas regiões durante a condução. Já nos membros inferiores, que realizam movimentos mais grosseiros, as injúrias têm uma origem muito mais estática, sendo comuns a Síndrome do Piriforme (inflamação dos músculos piriformes*, abaixo dos glúteos, por manutenção prolongada da postura sentada), estiramento dos músculos fibulares (principalmente em condutores de carros com câmbios automáticos, que “aposentam” a perna esquerda, apoiando-a sobre a lateral do pé) e encurtamento da musculatura atrás das coxas e pernas (tríceps sural ou “panturrilha” e ísquio-tibiais, “atrás das coxas”);

· Falta de um programa de “higiene física” rotineira, preparatória para a condução diária do veículo: orientações a respeito de alongamentos associados a exercícios de condicionamento cárdio-respiratório, supervisionados por um fisioterapeuta, podem prevenir futuras lesões, bem como promover a melhora ou abolição de sintomas já instalados.


A dor músculo-esquelética (DME) ocasionada pela lesão pode reduzir significativamente o nível de atenção do motorista, expondo-o ao risco de acidentes, em uma proporção direta com sua cronicidade, grau de incapacitação e tipos de estruturas envolvidas (músculos, tendões, ligamentos, ossos, bursas ou discos). Daí a importância em não se subestimar um sintoma músculo-esquelético como dor lombar, cervical ou nos ombros, ou ainda neuro-muscular como formigamentos e redução da sensibilidade. Tais eventos se retro-alimentam no seguinte círculo vicioso: lesão — dor — desuso — encurtamento muscular e congelamento articular — novas lesões — mais dor, evoluindo de “dores ao movimento” para “dores ao repouso”.
Sendo assim, fique atento motorista. Não dê manutenção apenas ao seu veículo, mas também ao seu corpo, de cujo funcionamento fisiológico adequado depende a segurança na condução de automotores. Evite a permanência superior a duas horas na posição sentada, realizando paradas para alongar-se e mexer suas pernas em movimentos amplos, prevenindo-se, assim, da ocorrência de lesões musculares, bem como da devastadora eventualidade de uma estase e conseqüente trombose venosa profunda.
Não deixe para depois a melhora de suas “dores do volante” e o aumento de sua segurança e de sua família, com preparo sob supervisão de profissional especialista: consulte um fisioterapeuta e dirija com liberdade de movimentos.


(*) músculos piriformes: têm a função principal de rodar os quadris para fora. Por baixo deles passam os nervos isquiáticos, vulgos “ciáticos” (um para cada coxa). Quando inflamam, esses músculos comprimem os isquiáticos, simulando sintomas de hérnia discal na região lombar, o que caracteriza a chamada Síndrome do Piriforme.

Dr. Rogério Mendonça de Carvalho

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