quinta-feira, 30 de maio de 2013

Amor à Vida: "...e o piso salarial do Fisioterapeuta, Ó!"

Quando me contaram sobre determinada cena do sétimo capítulo da nova novela das dez "Amor à Vida", da Rede Globo, tive a curiosidade de procurá-la na internet. Ao ar em 27 de maio de 2013, a certa altura a personagem interpretada pelo ator Rodrigo Andrade, o recém-formado fisioterapeuta Daniel, repete a velha mímica eternizada por Chico Anísio aos finais dos episódios da memorável "Escolinha do Professor Raimundo", ao se referir ao pífio, indigno, insalubre, risível e vermiforme piso salarial desta sagrada profissão.
Confesso que, de ímpeto, tentei racionalizar algo que argumentasse razoavelmente contra essa triste realidade que Walcyr Carrasco escancarou nas telas de todo o Brasil. "Distorção pejorativa da realidade?", "Descrição aviltante da profissão?", foram algumas das perguntas que imediatamente me ocorreram. Entretanto, analisando o contexto da filmagem e deixando-se de lado as suscetibilidades classistas, percebe-se que o efeito da mensagem, independentemente das intenções do autor, - que a mim não cabe auscultar - soou muito mais como denúncia social do que qualquer outra coisa. A fala de Susana Vieira que se sucede, "Começo de carreira é começo de carreira, viu!?!", contemporizando com uma condescendência eufemista e comiserativa dispensável, talvez denote a tentativa da emissora em antever e arrefecer ulteriores retaliações corporativistas.
O fato é que, enquanto contra-prestações medíocres continuarem a vilipendiar trabalhadores de nível superior como o são fisioterapeutas, clínicos de primeiro contato, autônomos de seu exercício e que independem de prescrições de outros para aplicação de suas técnicas, a sociedade continuará a receber tratamentos ao nível do preço que involuntariamente paga, ou seja, pagando barato, leva o barato.
Não se conjecture, doravante, que o número da oferta determina os baixos salários pagos pelo convênio e imitados pelo setor público, com concursos que oferecem simbólicos e escravizantes R$ 1.500,00 por 30 horas de trabalho semanais. Com números atualizados de abril de 2013, o número de fisioterapeutas inscritos no Conselho Federal de Fisioterapia é de pouco mais de 176 mil profissionais em todo o território nacional, enquanto o de médicos inscritos no Conselho Federal de Medicina, segundo dados de maio deste ano, supera a casa dos 370 mil. Se o mercado seguisse essa lógica, ganharíamos o dobro dos médicos e não 5 ou 6 vezes menos, como se verifica na prática. Alguns editais até postulam a isonomia entre profissionais, como deveria ser, uma vez que as atribuições específicas na área da saúde não resguardam distinções de valor em relação às outras, como o "voltar a andar" ou o "não mais usar fraldas" que a fisioterapia amiúde proporciona não são, jamais, menos importantes que a mitigação da dor que a medicina alopática usualmente provê. Todavia, esses mesmos editais garantem a manutenção da desigualdade ao estabelecer gratificações que excedem o próprio valor do provento. E estamos falando do médico generalista, recém-graduado, em comparação a fisioterapeutas que se dedicam a cursar especializações, mestrado e doutorado. E, note-se, o profissional médico não está super-remunerado, mas sim o fisioterapeuta está - perdoem-me o neologismo - "sub-hipo-infra-valorizado"!
Dizer também que nós fisioterapeutas somos uma classe desunida traduz apenas o pensamento lacônico e comodista daqueles que preferem jogar a sujeira para debaixo do tapete, enquanto as leis trabalhistas são colocadas de lado, o direito à insalubridade é desrespeitado e a autonomia profissional é corrompida. E como toda empresa ou repartição pública pratica o errado, então o errado deve ser certo, não é? Ou pelo menos aceito e não questionado, como geralmente ocorre. A quem não cabe lutar contra impalpáveis e robustas pessoas jurídicas são pais e mães de família que têm de aceitar, goela abaixo, salários cujos valores não precisariam estar formados e pós-graduados para receber, sendo muitas vezes menores que aqueles oferecidos em cargos com a mesma carga horária semanal e tendo como pré-requisito tão somente o ensino médio completo.
Por sua vez, as autarquias federal e estaduais (sistema COFFITO / CREFITOS) sabem da situação salarial rídicula que são a regra nos editais em território nacional, postulam referenciais mínimos e um código de ética que pune o profissional que pratique o chamado preço ínfimo, mas nada fazem contra as administrações públicas e organizacionais que pagam ao fisioterapeuta salários menores que a pessoal de nível técnico em ambiente hospitalar e ambulatorial. Argumentam que esse tipo de atuação cabe aos sindicatos, omissos ao fato de que salários aviltantes sempre redundam em má qualidade do serviço prestado ao usuário, por obrigar o profissional a se desdobrar em dois ou três empregos ou a aumentar a quantidade de atendimentos diários, sendo ele próprio acometido pela síndrome do burnout, o paciente prejudicado por sessões reduzidas em tempo ou atendido concomitantemente com outros doentes. Enquanto chafurdam na discussão, o Conselho Regional de Odontologia de São Paulo já conquistou a isonomia para os dentistas em relação aos salários dos médicos na prefeitura de São Paulo. Eles, dentistas, que são mais de 250 mil profissionais em todo o Brasil.
No caso da fisioterapia, a solução do problema, em meu entender, passa por três principais vertentes, quer sejam (1) o reconhecimento social traduzido em exigência legislativa, como o Projeto de Lei 5979, de autoria do deputado federal Mauro Nazif, mofando com valor desatualizado de R$ 4.650,00 desde 2009 na câmara, (2) ação intempestiva dos conselhos sobre empresas, prefeituras, Estados e União que publiquem editais com salários ofertados ao fisioterapeuta não isonômicos aos praticados para demais profissionais da saúde e (3) o voto consciente dos profissionais em representantes de conselhos, legisladores e chefes de executivo que realmente lutem por sua valorização salarial.
Resido e trabalho pela prefeitura, em Barretos/SP. Votei e apoiei amplamente um prefeito fisioterapeuta que ganhou as eleições por aqui, Dr. Guilherme Henrique de Ávila. Dele já cobrei a isonomia salarial e por enquanto espero confiante pela resposta prática, consciente das muitas variáveis existentes no jogo político. O que não podemos é, pressupondo desunião, continuarmos não votando em representantes que são nossos pares em profissão, conhecem nosso dia-a-dia e vivenciam nossas reivindicações. Procedendo dessa forma, o salário do fisioterapeuta continuará assim ó, com o dedo indicador cada vez mais próximo do polegar.