terça-feira, 24 de março de 2009

A Pele do Paciente Acamado

Muitas pessoas acham que a pele do paciente acamado necessita apenas de cuidados de hidratação e limpeza periódicas, esquecendo-se que ela, sendo o maior órgão do corpo humano com uma área de 18 m² e pesando aproximadamente 5 Kg (em torno de 7% em um indivíduo de 70 Kg), é responsável também por importantíssimas funções como termorregulação, imunidade contra agentes infecciosos e produção de vitamina D ou calciferol - um importante cofator da mineralização óssea - quando exposta aos raios solares ultravioleta do tipo B, a mesma que estimula a formação do bronzeado em peles morenas.
Sendo assim, há muito mais razões para se preocupar com a integridade tegumentar do paciente domiciliar, que tão somente em virtude de aspectos externos de ordem cosmética ou de higiene.

A começar pela manutenção ininterrupta do paciente em um só tipo de posição ou decúbito (geralmente dorsal, ou vulgo "deitado de barriga para cima"), pode-se presenciar a desastrosa formação das chamadas úlceras por pressão (vulgo escaras), que, dependendo de diversos fatores como hidratação por ingesta líquida, tempo de exposição ao mesmo decúbito, idade do paciente, nutrição tecidual determinada pela boa perfusão (sangue que irriga a derme), etnia e tipo de pele, poderá ser mais ou menos deletéria.

O principal fator, entretanto, é sem dúvida a pressão contínua estabelecida em pontos de proeminências ósseas, onde a distância entre a pele e o osso é menor, como nas escápulas (antigamente chamadas omoplatas, vulgarmente denominadas "pás das costas"), ossos sacro e cóccix (porções terminais da coluna vertebral, próximas aos glúteos), espinhas isquiáticas (regiões glúteas, no "bumbum") e trocânteres femorais (nas regiões laterais dos quadris, quando deitado de lado). Isso decorre da compressão dos microvasos locais, gerando-se áreas de isquemia ou hipóxia, respectivamente com cessação ou déficit do suprimento de oxigênio para a região comprimida, o que leva à morte celular (necrose) nas regiões acometidas.

Só para se ter uma idéia, quando se pode observar a vermelhidão local não-compressível (hiperemia ou eritema) nos pontos supra-citados, já se pode classificar a úlcera como sendo de grau 1 (figura 1), evoluindo-se conforme a profundidade dos planos acometidos, até músculos, ossos, tendões e ligamentos, quando se fala em grau 4 (figura 2).

Figura 1 - Úlcera por pressão de Grau I em região trocantérica (lateral do quadril)(Fonte: rampadeacesso.com).

Figura 2 - Úlcera por pressão de grau IV em região sacro-coccígea (Fonte: mymedpic.com).

Note o esquema de formação das úlceras por pressão em áreas de proeminências ósseas (Figura 3) abaixo:

Figura 3 (clique para ampliar) - Esquema mostrando: à esquerda acima, áreas com maior predisposição à formação de úlceras por pressão, em virtude das delgadas camadas de gordura e músculo presentes nesses locais; à esquerda abaixo, ilustrações tridimensionais de uma área acometida, mostrando a evolução da lesão nas camadas de osso, músculo, gordura e pele; à direita, mesmo processo evolutivo mostrado em no ponto específico do tocânter femoral, em região lateral da coxa e altura do quadril.

E essa vermelhidão, pasme, leva apenas 20 minutos para se formar na pele íntegra exposta à compressão contínua maior que 23 a 26 mmHg, que é o intervalo da pressão dos microvasos chamados capilares. Um teste simples e fácil de se realizar (e não aconselho que façam em casa) seria a auto-compressão com a polpa digital de um dos polegares sobre a apófise estilóide da ulna (proeminência óssea próxima ao dorso da mão, do lado do dedo mínimo ou "mindinho") no punho do outro lado, com aperto leve, por um tempo de 20 minutos, quando poder-se-á observar o sinal do eritema, típico da lesão inicial.

Quando enxerga-se a vermelhidão, trata-se da derme, a camada mais profunda da pele, que é vascularizada, e que encontra-se em processo de aumento do aporte sanguíneo compensatório. Acima dela está a epiderme, com várias camadas de células não-vascularizadas em transição, composta em sua parte mais superficial por cerca de trinta camadas de células mortas chamadas corneócitos. Essas células descamam naturalmente em períodos cíclicos de 28 dias, mas podem aumentar em muito sua velocidade de esfoliação em situações patológicas como a de uma úlcera por decúbito. Isso naturalmente é um mecanismo de estímulo de renovação em resposta à agressão, porém expõe, por outro lado, a pele a microorganismos invasores e a perdas de células de defesa e outros componentes presentes no revestimento epidérmico.

Daí o por que do amiúde ineficaz estabelecimento isolado de protocolos de alternância de decúbitos como base de rotina no ambiente domiciliar. Ora, se uma úlcera começa a surgir após 20 minutos de compressão local, não será somente a troca de posição a cada 2 horas que a impedirá de se formar, mas sim um conjunto de procedimentos, dentro do qual tal alternância esteja inclusa.

Um fisioterapeuta domiciliar especialista em dermato-funcional é capaz de detectar precocemente os sinais de perturbação homeostática da pele do paciente, estabelecendo condutas de curto, médio e longo prazos, locais e sistêmicas, e de efeitos sintomáticos ou de manutenção perene dos resultados, impedindo que a integridade tegumentar do atendido seja prejudicada. Para tanto, estabelece orientações, prescreve o uso de equipamentos fisioterapêuticos e atividades cinésio-adaptativas de rotina, bem como cuida das funções de sistemas complementares à boa saúde cutânea, lançando mão da reabilitação respiratória, cárdio-vascular e ortopédica funcionais.

Por isso, jamais hesite em contratar um fisioterapeuta que se disponha ao atendimento amplo e baseado em resultados demonstráveis objetivos do paciente domiciliar, dedicando tempo, raciocínio clínico e integração com os demais profissionais da equipe de saúde.

A pele é nossa principal proteção contra o meio externo. Todavia, paradoxalmente, também pode se tornar a nossa última e única via de sensações e contatos vindos de fora para dentro de nosso corpo, em forma de interpretação emotiva. Cuidemos bem dela.